Salve, salve!
Hoje serei lugar-comum. Vou pedir licença aos amigos e interromper os pedidos para me juntar aos muitos que já homenagearam o super-campeão Barcelona. Alguns já sugerem que este é o melhor time de todos os tempos (coisa que para muitos saudosistas é difícil admitir), só restando alguns anos, números e estatísticas para ratificar o posto. O tempo dirá.
Mas isto é o de menos. O mais importante é que esta equipe do Barcelona resgatou e desmistificou aquela idéia de que vencer e dar espetáculo, ao mesmo tempo, é inviável. Guardiola e seus comandados reafirmam a filosofia utilizada, por exemplo, em 82 por Telê, naquela seleção mágica. Em homenagem ao brilho nos olhos de menino que voltei a ter com o Barcelona destes últimos 3 anos, vão algumas palavras.
A beleza está na simplicidade
Brasil. 1950. 1958. 1962. 1970. 1982. Hungria. 1954. Holanda. 1974. O que há em comum entre estes nomes e números? Datas de revoluções na história destes países? Futebolisticamente, sim. E o que elas representam? Para quem vê um jogo de futebol como forma de arte, não há resposta trivial. Simplesmente, estas seleções traduzem o que há de mais bonito neste esporte. Ainda que existam outros exemplares!
Neste ponto, cabe uma pergunta: é preciso ser gênio para fazer arte? Não, necessariamente. Um gênio é capaz de fazer algo extraordinário, coisa que ninguém nunca tinha pensado em fazer antes, e o faz com maestria. Por isto não vemos a todo instante um Villa-Lobos, um Portinari, um Jorge Amado, um Pelé. Porém, quando se trata de algo coletivo, a individualidade “apenas” faz parte do todo e a arte se torna arte quanto mais forte for o elo mais fraco da coletividade. Então o gênio passa a ser a cereja no topo do bolo.
A partir deste momento, surge a arte coletiva, que obviamente depende das individualidades, mas não do gênio. Um coro, mesmo com vozes desafinadas, ainda tem a possibilidade de provocar um som agradável, pois o todo supera a parte. É neste raciocínio que se firma a idéia do futebol-arte na sua essência. Por ser um jogo coletivo, o conjunto, por menos geniais que sejam seus indivíduos, pode proporcionar uma obra de arte. Algo como o desenho de uma criança: simples aos olhos de outros, mas com beleza incomparável aos olhos do pai.
"Eles jogam futsal no campo!", esta foi a melhor descrição que li sobre a fluidez deste time. A proposta de jogo do Barcelona, recém-campeão mundial, não é nenhuma revolução. É novidade apenas para os que não puderam assistir a algumas gerações de esquadrões que subverteram os limites do lugar-comum, do “óbvio ululante” nos campos de futebol. É um estilo que tem descendência (basicamente, fala-se do futebol total holandês dos anos 70) e algumas ramificações na árvore genealógica da história do esporte. Basicamente, esta proposta está muito mais fundamentada na disciplina do conjunto de jogadores em seguir uma filosofia do que na presença de um fora-de-série como Messi. A idéia de jogar futebol do Barça reside no que há de mais simples e fundamental no futebol: manter a posse de bola. Afinal, qual o time que, sem a bola, consegue marcar gols? Uma vez ou outra, talvez... E qual, com a bola, sofre gols? Em princípio, só marcando contra a própria meta... Portanto, para manter a bola a seus pés, eles se baseiam em alguns pilares, a meu ver:
1) manter os jogadores compactados, próximos uns aos outros, para permitirem opções de passes curtos, o famoso 1-2, com pouca chance de erro. É possível perceber que eles fazem a bola girar de um lado a outro do campo sem precisar lançamentos longos (que têm mais chance de saírem errados ou ser interceptados), embora algumas vezes o façam para surpreender o adversário e não como último recurso. Eles seguem a bola, de pé em pé, sempre em blocos de três, quatro ou cinco jogadores próximos uns aos outros. Isto até ajuda na parte física, pois se desgastam menos, visto que correm menos (quem corre é a bola). Fica assim demonstrado que três ou quatro pianistas são capazes de fazer o mesmo trabalho, e com muito menos esforço, que um carregador de piano (ao final, ainda é possível desfrutar de uma bela melodia);
2) movimentação constante, tanto no ataque (para abrir espaços e servir de opção para troca de passes) como na defesa (pressionando o adversário em bloco para provocar seu erro e recuperar a posse de bola);
3) jogadores com habilidade sufciente para ter o controle da bola e assim terem a chance de trocar passes com qualidade (obviamente, a habilidade destes jogadores, especialmente os meio-campistas, superam o suficiente).
Não é preciso ter 11 gênios em campo para isto se tornar realidade e o Barcelona mostra isto. De excepcional, cito apenas Messi, dono de uma habilidade incomum. No mais, são muitos jogadores que um dia foram normais, mas que a força do coletivo lhes deu asas. De todos, talvez Xavi e Iniesta se sobressaiam, mas eles só mostraram seu brilho com esta equipe, ao contrário de craques natos.
O mérito principal deste time talvez seja do seu técnico, que tem no clube o incentivo de buscar sempre o mesmo estilo de jogo, e que teve a sorte de encontrar neste grupo de jogadores os ingredientes necessários para executar com maestria a estratégia de jogo e a disciplina tática que a filosofia propõe. E ao final, quando se vê o futebol deste Barcelona como um todo, ficamos espantados com tamanha beleza. Tão grande que ofusca quando, ao olharmos para o detalhe, pensemos: o que há de difícil e extraordinário no que cada jogador deste time faz? Corre para um lado e para o outro, recebe o passe, toca de volta, avança, recebe o passe, domina, toca curto de novo, e assim por diante, até o gol. Reservam o extraordinário individual apenas a um gênio (neste caso, Messi). E pronto! É a essência do futebol-arte traduzida na simplicidade do que é um jogo coletivo. Coisa que estávamos cansados de saber, mas que esquecemos lá pelos idos anos 80...
Para completar, seguem as artes desta brilhante equipe, que faz o futebol paracer tão fácil com a bola aos pés de Messi, Xavi, Iniesta e cia.
JOGO COMPLETO:
Barcelona X Santos - Mundial de Clubes 2011 (Final)